Lc Semaphore


Eu sempre mantive as plantas organizadas e identificadas. Bem, sempre, sempre não.
Um dia a gente acaba relaxando em algum momento. 
Normalmente é assim, você faz tudo certo e as coisas vão caminhando como devem ir, mas um dia você faz alguma coisa errada, ou esquece de fazer algo e perde tudo o que já fez de bom até então.
Naquele dia eu vi algumas plaquinhas de identificação caídas e pensei - deixa pra depois! E o "depois" foi passando e algumas plantas foram perdidas em meio a multidão.
O tempo, ou a falta de, e um pouco de desleixo encarregaram-se do resto.
As plantas deixaram de florir.
Retomei os cuidados e a dedicação me deu esse presente.
Achei-a! rs


Laelia lobata

Um dia, e já faz dois anos, quando voltava de algum lugar, ou ia pra algum lugar, não sei ao certo, e nem sei que dia foi aquele dia, passei em frente uma casa e naquela casa havia um jardim - O jardim da dona Liliam. 
Eu não sabia ainda que esse era seu nome.
Parei e olhei essa bela orquídea, quase ao alcance da mão, fixada em um arbusto. Eram mais de vinte flores na touceira. 
Babei!
Limpei a baba e chamei.
Veio uma senhorinha baixinha, pretinha, magrinha, simpática que depois de conhecer a minha fascinação pela sua planta logo me ofereceu uma muda, antes mesmo que eu pedisse, e ainda mandou pegar com flor. rs
Confesso que me senti um explorador de velhinhas indefesas.
Mas peguei uma só muda sem exagerar na flor - Todas as pontas estavam floridas. rs
Prometi a ela que traria outra em troca e o fiz. 
Levei uma Laelia purpurata oculata do mesmo porte.
Boa gente a dona Lilian! 
Quando a encontro no mercado - sim, isso aconteceu algumas vezes - sempre mexo com ela, exceto dessa última vez em que estava com pressa. 
Assim, fiquei amigo da dona Lilian.
Minha planta floresceu e já passei por lá e vi que a dela também.
Eu acho que é uma Laelia lobata e seu perfume uma delícia.

Catasetum cernum




Por que as orquídeas se fixam nos altos galhos das maiores árvores?
Isso não é totalmente verdade, uma vez que elas o fazem nos galhos mais baixos também.
Mas se torna realidade quando por lá passa um homem, e esse homem leva consigo o que puder carregar.
Então, sobram as que escolheram ficar lá em cima.
Escolheram nada! 
O acaso as levou pra lá. E o acaso, nesse caso, chama-se vento.
A ventania espalha sementes. Ela as leva bem distante. 
Dizem que vão até para o lado de lá do mundo, sim, se a gente escolher pensar que aqui é o lado de cá.
E quando caem - as sementes - em um lugar oportuno, entre os galhos de uma bela árvore, elas germinam, crescem, e aí vem aquele homem e corta a árvore ou leva a orquídea embora.
Leva pra cuidar, leva pra vender... Não sei porque ele a leva.
Sei porque eu a levaria, se levasse, e quando a levo.
Essa caiu lá de cima. Ficou esperando eu passar.
E eu passei, e a salvei. Salvei da incerteza.

Cattleya Irene Holgin - Muito cuidado com ela!



Dia desses estava eu a perambular entre os vasos no meu "orquidário" quando vi esta planta florida.
Como estava pendurada acima do nível do olhar decidi baixar o vaso, pendurando-o a aproximadamente há um metro e meio do chão. Assim poderia ver melhor e mais vezes a beleza das flores. Assim o fiz.

Para se locomover ali é necessário desviar de algumas plantas penduradas baixas, plantas que estão na fila esperando vaga, e assim por diante. Tem até um vaso de Cherry Baby que a "sem-vergonha" da Cambacica (aquele passarinho amarelinho que briga com os beija-flores) pensa que é dela. Construiu um ninho nele e vive me assustando, e se assuntando, quando entro lá e ela sai correndo, ou melhor, voando, imaginando que eu não sei da falcatrua.

Outro dia eu comecei a pulverizar as plantas pouco antes de escurecer. A coisa foi se estendendo, se estendendo, e acabei por me ver em meio à escuridão com pulverizador pendurado tentando enxergar as plantas.
Do lado de fora do "orquidário" há uma parte gramada, algumas bananeiras, algumas palmeiras e outras plantas menores. Soprava uma brisa suficiente pra balançar as folhas e fazer aquele barulhinho de filme de terror. Sabe? rs
Ouvia também alguns ruídos atrás das bananeiras. Provavelmente algum roedor, afinal, ninguém escapa deles ainda mais tendo um jardim.
Comecei a distrair, ou vaguear, a mente dentro desse contexto. Escuridão, folhas balançando, ruídos que só se ouve no jardim escuro...
Acho que minha mente imaginou alguém pulando o muro (dava pra imaginar a silhueta com as trepadeiras no muro) ou algum ser daquelas estórias de medo que a vó contava...

Derrepente, naquela escuridão, envolvido nos pensamentos, na pressa de terminar, sem nada enxergar, senti perfeitamente a mão que me tocou bem no meio das costas. 
Um arrepio subiu pela coluna até o couro da cabeça.
Era a Irene. 
Uma de suas folhas (não ajeitei na vertical enquanto crescia) tocou-me nas costas e minha mente fez o favor de criar o resto.
Era a Irene!!! Era só a Irene!!!
Portanto, vai um aviso. Se você tiver uma Cattleya Irene Holgin em casa, cuidado.
Ela ainda pode te matar..... de susto! rs

Dichaea pendula

Esse dia foi um dos melhores.
Quase cometi um assassinato, mas creio que seria indiciado por homicídio culposo sem agravantes, pois o meu amigo gordinho já não aguentava mais subir aquela montanha. Só o fez porque não quis perder para as mulheres e filhos.

E eu era o culpado. rs

Estávamos há aproximadamente duas hora subindo entre plantações de banana e mata nativa até que chegando ao topo da serra ele disse que não aguentaria mais. Retruquei que à partir dali que seria legal, pois estaríamos caminhando pelo plano em meio à mata fechada. Na verdade eu não conhecia nada daquele lugar nem de longe. Ia por indicação. Mas acertei. Foi uma das melhores caminhadas pela mata que já realizei.

Do cume da serra se avistava o mar, apesar de este estar há uns 80 km dali.

Estávamos provavelmente há pouco mais de 1000m de altitude.

O céu era azul, parcialmente nublado e a brisa que varava a vegetação, deliciosa. Podíamos ver o grande rio que serpenteava pelo vale indo em direção ao oceano.

Muitas bromélias, muitas trepadeiras, cipós, plantas que nuca vira. Colhi algumas pequenas mudas, rizomas e tuberculos e sementes pois faço a recomposição de uma pequena mata que em outra oportunidade contarei.

Havia um grande paredão rochoso com muitas epífitas, mas nada de orquídeas. Nesse aspecto estava frustrado, mas o lugar era espetacular.

Foi próximo à esse paredão que encontrei uma mini samambaia que me chamou a atenção. Muito bonitinha.

Fotografei-a pois formava um cachoeira de minúsculas folhinhas e colhi seis raminhos escolhidos criteriosamente para não tirar a graça do conjunto.

Ora, quando cheguei em casa, e por se tratar de uma samambaia tão delicada decidi plantá-la em um vaso em casa mesmo para multiplicá-la até o ponto de poder levar novamente para a mata e encontrar um lugar adequado.

Nesse momento veio a surpresa.

Não era uma samambaia. Era uma pequena orquídea que nunca havia visto. Descobri depois tratar-se da Dichaea pendula.



Felizmente foram só seis raminhos que agora estão plantados e espero que cresçam bastante pra que eu possa reintegrá-los à mata nesse meu projeto particular de conservação que está dando certo até agora.

Assim o dia seguiu seu rumo. Chegamos ao mirante, comemos um lanche... respiramos o mundo como o mundo deveria ser.

Depois foi fazer a caminhada de volta escutando a ladainha... o que é que eu vim fazer aqui? Com tanto amigo pra me chamar pra ir no shopping, no cinema... e eu aqui, cansado, suado, doando sangue pra mosquito... pelo amor de deus!!! Falta muito pra chegar Shrek? rsrs E eu respondia: -Falta burro... O reino fica tão, tão distante...